Made in Portugal - Visita à Anfesa

Esta reportagem foi integralmente retirada de uma revista Motojornal dos anos 80. O texto e as fotos são da responsabilidade de Mário Figueiras.

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Numa conjuntura pouco virada para o apoio a iniciativas dentro do sector motociclistico, António Ferreira dos Santos tem conseguido manter a coragem necessária para continuar esta exigente paixão que é a construção de motos. Numa altura em que o mercado se revela cada vez mais competitivo e onde os grandes construtores dispendem somas astronómicas para o desenvolvimento e promoção de novos modelos, um único homem parece pôr em causa toda esta realidade, conseguindo oferecer um produto quase artesanal e de boa qualidade a preços extremamente acessíveis.

 

É verdade, com base numas instalações pouco espaçosas, com maquinaria antiquada e meia dúzia de entusiastas, parece pouco provável, para quem visite a Anfesa pela primeira vez, que possa ser produzido algo parecido com uma moto. A confusão é enorme, com bancadas repletas de caixas contendo dos mais variados componentes, desde amortecedores Ohlins a motores Rotax, Casal ou Hodaka, de tudo se pode encontrar.

Com sede em Fervença, perto de Alcobaça, a Anfesa é uma pequena empresa que se dedica actualmente à construção de motos de todo o terreno, tendo já desenvolvido alguns projectos no sector estradista. De qualquer forma, o trail tem sido a grande vedeta por estas bandas, não sendo de estranhar que Ricardo Santos, filho do fundador e proprietário da Anfesa, continue a promover as cores da sua marca como piloto de Motocross.

 

Como podem ver, a Anfesa utiliza material de excelente qualidade. Neste caso, uma RV 250 com motor Rotax e amortecedor traseiro Ohlins.

 

A filosofia produtiva da Anfesa é simples e assenta numa construção em pequena escala, onde todas as operações são efectuadas com o carinho e empenhamento que só o trabalho manual poderá oferecer.

Ao contrário do que estávamos habituados com outras produções nacionais, aqui nota-se uma grande preocupação em desenvolver algo com qualidade e é assim que surgem componentes tão conhecidos como sejam os amortecedores Ohlins, os motores Rotax, os assentos Tecnosel, os plásticos Acerbis e Ufo, enfim; uma série de marcas com uma grande tradição no mercado internacional.

 

É necessário muita paixão e força de vontade para conseguir produzir um trabalho tão válido, no meio de uma oficina onde impera a confusão e desorganização.

 

Competição e Trail.

 

Este material é utilizado, normalmente, nos modelos topo de gama, casos da RV 125 e 250, máquinas de competição destinadas ao Enduro. Para o utilizador comum, a Anfesa propõe um conjunto de modelos mais económicos e civilizados, que vão desde a RT 50 à nova RX 175, equipadas, respectivamente, com motores Casal e Hodaka.

 

Nesta foto pode-se comparar as peças originais do motor Hodaka 175 com os componentes construídos por Ferreira dos Santos.

 

É aqui que a percentagem da incorporação nacional atinge valores superiores, sendo de referir alguns componentes da parte ciclística, como por exemplo o quadro, cubos de roda e travões, são integralmente produzidos no nosso país. Depois, temos o comprovado motor Casal de 50cc na sua mais recente versão, com refrigeração líquida e admissão por lamelas que Ferreira dos Santos considera como um dos melhores do mercado.

A RX 175 é o modelo mais recente da gama Anfesa e posiciona-se como uma das melhores opções da sua classe, tendo em consideração o preço a que é comercializada ( aprox. 399 contos) e a actualidade das soluções tecnológicas utilizadas para a sua construção, sendo de destacar que o motor Hodaka de 175cc recebeu um grupo térmico (cilindro e culassa) totalmente produzido em Portugal, permitindo uma alteração da refrigeração, que passou a ser feita por água.

 

Motor Hodaka equipado com cilindro, culassa e escape fabricados pela Anfesa.

 

Sinceramente, não estava à espera de encontrar tanto dinamismo e tanta vontade de inovar, especialmente da parte de alguém que não tem qualquer estrutura por trás de si, mas que demonstra o interesse e o conhecimento necessários para põr um projecto desta ordem em prática. Muitas pessoas continuam a interrogar-se perante estas evidências, pondo em questão a rentabilidade de um trabalho que tem de ser encarado por um prisma completamente diferente e esquecendo que ainda existem pessoas dedicadas à sua paixão. A história da Anfesa é simples, como é simples o homem que está por trás de uma marca que os portugueses deveriam encarar com outros olhos.

 

Entrevista com Mr. Anfesa.

Qualquer trabalho sobre a Anfesa ficaria incompleto sem as declarações do homem que está por trás de todas as operações, pois só ele poderá dar a verdadeira imagem de um projecto de dedicação e total devoção como é este.

MJ. Há quem afirme que a Anfesa constrói motos sem objectivos lucrativos. Confirma esta observação?

AFS. «Na realidade, o objectivo inicial não era esse, pois nunca pensei enriquecer à custa desta actividade. Desde muito novo comecei a mexer e a interessar-me pelas motos e um dia pensei em fazer uma. Levei o projecto avante, em 1980, e foi a partir daí que tudo começou. Procurei construir uma máquina diferente de todas as outras, tentando aproveitar o melhor do material nacional e do importado.

Depois, beneficiei do facto de a Forvel ter fechado as suas portas, deixando livre a importação dos motores Hodaka e criando as condições para que eu podesse começar a montar as minhas próprias máquinas».

MJ. Num mercado com tão fraca expressão, como explica a introdução de componentes de elevada qualidade, como é o caso da Ohlins?

AFS. «Se eu tivesse pensado em fazer uma máquina e tivesse feito as contas ao custo do material, certamente que não teria enveredado por esse caminho. Noentanto, a situação aqui é diferente, pois eu procurei produzir algo como idealizava há muito tempo, algo que ainda não tinha sido feito em Portugal. Não pude voltar para trás porque se eu vou montar uma moto com os componentes da concorrência, certamente que ficaria pelo caminho por que as grandes empresas nacionais têm uma capacidade de produção que ultrapassaria qualquer das minhas tentativas. Eles fazem em quantidade e eu procuro fazer com qualidade. De qualquer forma, os meus modelos têm tido boa receptividade, especialmente os de 50cc e nestes, os componentes já não possuem a qualidade dos que são utilizados nas RV 125 e 250».

 

António Ferreira dos Santos é o homem que está por trás da Anfesa.

 

MJ. O que pensa da indústria nacional?

AFS. «Todos os construtores nacionais estão muito agarrados ao mercado e às suas exigências. Por exemplo, a Casal começou a comercializar a Boss e logo de seguida todos os outros fizeram a mesma coisa. É certo que eles têm de rentabilizar as suas grandes produções, mas o mercado do futuro vai ser completamente diferente, nomeadamente no que diz respeito às 50cc, onde se vai sentir uma profunda alteração. Penso que eles estão conscientes desta realidade e vão tentar adaptar-se às novas exigências».

MJ. Acha que a reformulação poderá passar por uma maior utilização de motores automáticos e pela construção de scooters?

AFS. «Penso que sim, pois o futuro estará na simplicidade, na facilidade de utilização e na diminuição de custos».

MJ. Ao observar a sua gama, ficou clara uma especial preferência pelas motos de todo-o-terreno. Tem algum projecto para uma máquina de estrada?

AFS. « Não. Na classe das 50cc já fiz dois modelos, numa altura em que estava um pouco adormecido, pois quando as terminei cheguei à conclusão que já estavam ultrapassadas, de modo que o seu sucesso comercial não foi o melhor.

De qualquer forma, penso que uma 125cc robusta e económica poderá ter um mercado muito interessante».

MJ. Neste momento, quantas pessoas trabalham na Anfesa?

AFS. Na produção trabalham cinco pessoas, para um total de 14, distribuidas pela venda de acessórios e pelos serviços administrativos».