Bicimota 96 - Fim anunciado.

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Depois de anos de recessão generalizada na indústria nacional de motorizadas e ciclomotores, a "sua" feira de exposição deste ano, a Bicimota 96 foi uma desilusão. Mais do que nunca as marcas estrangeiras marcavam presença através de concessionários da zona, e das outrora várias marcas nacionais presentes só sobraram a Famel e a Fundador. Um quadro deprimente só contrariado pelo bom momento que a indústria nacional de componentes para ciclomotores atravessa. De resto, eram tudo bicicletas....

 

 

Logo à entrada a constatação era óbvia: onde estavam as motorizadas? Com os apoios estatais a esgotarem-se e o mercado nacional definitivamente conquistado pelas marcas estrangeiras, os industriais portugueses viraram-se para a produção de bicicletas e acessórios, pondo de lado as aventuras no sector motorizado. Um passo atrás que se revelava assim no número de motorizadas portuguesas presentes no Parque de Feiras e Exposições de Aveiro: apenas duas marcas, a Fundador e a Famel, foram rechear "verdadeiramente" uma exposição concebida pela ABIMOTA (Associação Nacional dos Industriais de Bicicletas, Ciclomotores, Motociclos e Acessórios) pela 1ª vez em 1989, e fortemente motivada por um sector de motorizadas e ciclomotores em aberta "crise" face à concorrência estrangeira (muito em especial a Japonesa). A preencher os dois pavilhões ocupados estiveram assim as bicicletas, bem como os seus acessórios e componentes; juntamente com várias marcas estrangeiras de motociclos, representadas através dos seus concessionários. Aliás, e apesar de esta exposição ter sido concebida para mostrar o produto "made in Portugal", a verdade é que foram precisamente estas marcas estrangeiras - a Sociedade Comercial do Vouga com a KTM, Sanyang e Standard, a Rai Lda com a Suzuki, a Indismota com a Derbi e a Multimoto com a Aprilia - quem acabou por trazer a Aveiro as poucas novidades visíveis. Os únicos modelos em realce eram assim a scooter Standard da S.C.V., os modelos Derbi recém- chegados a Portugal e a nova 50 c.c. RMX da Suzuki.

 

 

Apenas a Famel contestava este domínio estrangeiro no campo das novidades, com o seu modelo de scooter eléctrica, o único projecto industrial em todo o mundo a recorrer a esta tecnologia. Depois de um período de gestação do projecto bastante conturbado, a ideia da scooter eléctrica Famel parece ganhar agora força com a adopção de novos acumuladores de gel-chumbo, capazes de garantirem teoricamente uma autonomia de 60 km.

 

Num certame onde os motociclos nacionais estavam reduzidos a duas marcas, o presidente da Abimota foi claro: a Bicimota já não aposta nas motos, mas sim nas bicicletas.

 

Ao fundo do túnel...

 

A única excepção neste depressivo panorama do sector residia nas várias marcas nacionais de acessórios e componentes presentes no certame. Com efeito, as várias marcas de plásticos e produtos metalúrgicos, desde os quadros de scooter aos faróis ou embraiagens, os vários industriais que contactámos foram unânimes em admitir que, apesar da recessão que também sentem, os mercados de exportação estão a conseguir absorver bastante bem os seus produtos, viabilizando assim as empresas. Após uma pequena "ronda" por estes stands, a qualidade apresentada estava patente nos bons acabamentos das peças metalurgicas, muitas com uma fundição de 1ª, e onde não faltam sequer quadros de scooters (italianas) da mais recente geração e 100% manufacturados em Portugal. Quanto aos plásticos, é já conhecida a boa implantação das indústrias nacionais nos mercados estrangeiros, onde a nossa bem desenvolvida tecnologia de moldes continua a ser extremamente concorrencial. Prova desta boa evolução são os designs actualizados com que deparámos na Bicimota, ou as malas com desenhos modernos e fechos que em nada ficam a dever a modelos topo-de-gama de marcas especializadas estrangeiras.

Neste sector em plena expansão, a representação mais elaborada no certame era sem dúvida a da Polisport, uma marca que não tem parado de aumentar a sua implementação nos mercados internacionais com uma boa diversidade dos componentes produzidos.

 

 

Igual a outros anos.

 

À imagem de outras edições, na sessão formal de abertura da Bicimota 96 teve lugar uma pequena conferência de imprensa onde os presidentes da Abimota, Cãmaras de Aveiro e Águeda ( a maioria da industria nacional está sediada na região de Águeda) e o Governador Civil de Aveiro recebem um representante do governo, desta feita o ministro da economia, bem como membros do ICEP, Comissão Coordenadora da Região Centro, IAPMEI e IPQ.

A "novidade" este ano era assim sem dúvida a presença do novo ministro da economia, que nunca antes tinha sido apresentado a este "núcleo duro" dos industriais da região centro. Conforme pude constatar face à minha experiência de anteriores edições da Bicimota, os discursos acabaram por ser extremamente parecidos: enquanto os representantes da região se "lamentaram" face ao período de recessão que atravessam, e reclamam por mais apoios; o ministro presente responde com um discurso também ele educado, mas carregado com as palavras "competitividade" e "cooperação" - valores sem os quais não é possível manter nenhuma empresa ou fábrica em produção.

 

 

Para quem ali esteve presente nesta conferência, a única real diferença perceptível em relação ao sector motorizado foram mesmo as expressões utilizadas, que conforme os anos passam são cada vez mais fortes. Como as proferidas pelo presidente da Abimota, que depois de admitir que nesta edição apostou "sobretudo nas bicicletas", fez questão de frisar que " se a ajudas às empresas produtoras motorizadas em dificuldades tardar muito, essas empresas morrem." Uma vez visitada a Bicimota 96, a pergunta que fica é: será que já morreram? A atentar nas afirmações dos representantes de algumas das mais importantes marcas nacionais do sector, que de seguida transcrevemos, parece que sim: o motociclo nacional está a desaparecer. Apesar de produzirmos, em empresas diferentes, a quase totalidade das várias scooters estrangeiras - desde o quadro até à biela ou carenagens - na ausência de cooperação um veículo nacional bem sucedido continua a ser um sonho.

 

Polisport

"Na continuidade do que vem sucedendo de alguns anos a esta parte, desde a sua fundação, a Polisport está sempre a investir. Quer no aumento das suas instalações e produtos, quer num aspecto que nos é particularmente importante: a certificação da empresa e o controlo de qualidade - todo um processo que gera a qualidade da empresa quer na matéria- prima quer no produto acabado, uma característica de que fazemos ponto de honra e nos permitirá beneficiar de todas as ajudas comunitárias possíveis. Produzimos os nossos produtos de acordo com as necessidades dos mercados para onde exportamos, e somos sensíveis tanto ao sector das bicicletas como dos motociclos, onde vamos acompanhando as tendências do mercado mundial o mais rapidamente possível"  - Sr. Sabino.

 

Famel

"Cremos que só isto terá futuro. Nós continuamos a fazer os pequenos ciclomotores nacionais, só que estamos perfeitamente convencidos que o futuro não passa por aí. Neste momento a Electron já está em produção, se bem que a capacidade de produção apenas esteja a crescer com o mercado de exportação. Temos em perspectiva colocar no mercado algumas máquinas com investidores institucionais, mas não estamos neste momento muito preocupados com o mercado nacional. Enquanto não forem definidas comparticipações de acordo com aquilo que o mercado português pretende, estaremos mais preocupados com o mercado externo, onde há aliás mais sensibilidade, diga-se de passagem.

A produção industrial já arrancou, e prova disso foi o envio de mais dois camiões com electrons para França, e a encomenda também francesa de mais 800 unidades. O modelo que construímos utiliza já as novas baterias de gel-chumbo, e está apto a evoluir para as novas soluções de acomulação que forem surgindo. Senos da Fonseca

 

Fundador

"Nós neste momento temos um expoente na nossa produção, que é o modelo XT, um veículo que é um ciclomotor, mas actualmente adopta a designação de motociclo A1. Apresenta já admissão ao carter, discos de travão tanto na dianteira como na traseira, autolub e ainda uma forquilha invertida Showa na dianteira. É um modelo que tem vindo a evoluir com o motor 50cc Casal, e em termos de venda ao público conseguimos colocar este modelo na ordem dos 350 mil escudos, um preço altamente competitivo em relação aos modelos estrangeiros, nomeadamente a DT. O nosso veículo, quando comparado com a DT, anda muito mais depressa, isso está testado em termos de motor, e são os próprios utentes que nos confirmam

Nós também sentimos a recessão que desde há uns anos nos tem vindo a assolar no sector, mas também temos vindo a diversificar a nossa oferta a produtos como bicicletas. Actualmente a nossa produção anda aproximadamente repartida entre os motociclos e as bicicletas." Álvaro Silva

 

Grupo Jamarcol

Fabricamos componentes para veículos de duas rodas, fundamentalmente os escapes, apoios do motor, descansos e porta - bagagens. Conjuntamente, representamos marcas estrangeiras abarcando um pouco de tudo. Recentemente, ampliamos a nossa capacidade de produção, apesar da crise do sector. Nós conseguimo-lo graças à exportação de 85% da nossa produção. No futuro continuaremos a ampliar ainda mais a capacidade de produção, já que tencionamos alargar os nossos mercados a todos os países da comunidade europeia." Artur Gaio

 

Barbosa, Fernandes e Melo, lda

"Há muitos anos que continuamos com a linha de produtos de punhos. É uma linha de reposição que continua a ser de primeira necessidade, e que para mais é como uma moda: agora gastam-se destes, amanhã gastam-se de outros, o que é preciso é acompanhar a moda." Sr. Barbosa

 

Zuca embraiagens

"Trabalhamos com variadas marcas, desde a Yamaha à Aprilia e Zundapp. Trabalhamos neste ramo já desde há oito anos, e no meu caso específico a actual fase de recessão não tem tido consequências graves, pois o meu produto não tem concorrência em termos de mercado nacional, excepção feita aos produtos importados.

Mantivemos assim uma relativa autonomia, mas que com a recessão não nos deixa grande margem de manobra, muito menos face à concorrência do "perigo amarelo", como já ouvi descrever. É claro que não é fácil" Mário Ferreira

 

Jasil

"Nós produzimos kits de transmissão, bielas, cambotas, etc... Tudo quanto seja para componentes de motores para motorizadas. A nossa empresa está em pleno crescendo, e temos mesmo vindo a ampliar as nossas marcas e produtos. Esta situação resulta de uma aposta no mercado estrangeiro, já que o mercado nacional está em queda, pois as marcas nacionais de motociclos não apostaram em bom tempo nas novas scooters que entretanto apareceram. A Famel está em processo de falência, por exemplo! Nós trabalhamos essencialmente com marcas estrangeiras, como a Minarelli, e tem resultado. O nosso sucesso pode ser constatado quando vemos os nossos produtos a serem comercializados, mesmo em Portugal, com marcas estrangeiras! Isto é o resultado de uma grande aposta no desenvolvimento, que tentamos sempre acompanhar com a colaboração de empresas de competição, por exemplo.

Aqui fazemos o melhor que podemos para as nossas máquinas ganharem." Eng. Mário Rodrigues

 

~Ciclo Fapril

"A Ciclo Fapril trabalha com metalomecânica ligeira, fazemos quadros para scooters que fornecemos para Itália, temos escapes para vários modelos, etc... Somos fornecedores das principais empresas produtoras de scooters, como a Peugeot e a Motobecane, pois já estamos nisto há anos(...) Penso que as empresas portuguesas conseguem competir, conseguem fornecer componentes muito competitivos e penso que Portugal, se conseguir evoluir com áreas como a qualidade e certificação, terá um papel importante na Europa do futuro." Vitor Almeida